Os estados têm competência concorrente à da União para legislar
sobre a correção monetária dos juros de mora incidentes em multa tributária,
mas devem observar as regras gerais federais. Foi o quedecidiu na quarta-feira passada (27/2) o Órgão
Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao entender que a taxa de 0,13%
ao dia, impostos por lei estadual para o caso de inadimplência de ICMS, é
inconstitucional.
A questão foi levada ao Órgão Especial por meio de Arguição de
Inconstitucionalidade ajuizada contra os artigos 85 e 96 da Lei estadual
paulista 6.374/1989, com a redação dada pela Lei estadual 13.918/2009. O
dispositivo trouxe nova sistemática para a correção monetária de multas
calculadas de acordo com a antiga Ufesp.
De acordo com a lei de 2009, a taxa de correção para multas
tributárias estaduais é de 0,13%, mas pode ser reduzida por ato de ofício do
secretário de Fazenda ao patamar da Selic. A Selic é a taxa básica de juros
determinada pelo Comitê de Política Monetária (Copom), do Ministério da
Fazenda. Seu regulamento é tratado por meio da Lei federal 9.250/1995.
A decisão do Órgão Especial foi um tanto sofisticada. O voto vencedor, do desembargador Paulo Dimas
Mascaretti, revisor da matéria, decidiu pela rejeição da Arguição, mas também
pela aplicação de uma interpretação conforme a Constituição Federal.
Ele escreveu que, em seu artigo 24, inciso I, a Constituição
estabeleceu a competência concorrente de estados, Distrito Federal e União para
legislar sobre Direito Financeiro e Tributário. O parágrafo 1º do artigo diz
que a União tem a competência de editar normas gerais, ao passo que o parágrafo
4º estabelece que “a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende
a eficácia da lei estadual”.
Ou seja, a taxa de 0,13% ao dia para correção monetária de juros
de mora em multa tributária é inconstitucional. Mas só a taxa, não o
dispositivo que a regulamenta. No entendimento de Paulo Dimas, a Selic, por ser
regra geral estabelecida por lei federal, deve ser o teto para taxas de
correção monetária. E não o patamar a que a taxa pode ser diminuída por ato de
ofício do secretário de Fazenda.
Interpretação conforme
A interpretação de Paulo Dimas venceu a do relator,
desembargador Kiotsi Chicuta. Ele havia votado pelo acolhimento da Arguição,
retirando do ordenamento jurídico paulista os artigos atacados na ação,
suscitada pela 13ª Câmara de Direito Público do TJ-SP. Chicuta entendeu que a
taxa estadual viola o artigo 24 da Constituição Federal e a cifra de 1% ao mês
fixada pelo Código Tributário Nacional.
Mas no entendimento de Paulo Dimas, o problema da lei estadual
era numérico, pois taxa estabelecida por lei estadual não pode superar a que
foi definida por lei federal. Seu voto, portanto, define que o teto deve ser a
taxa Selic, ou até que seja definida outra por lei federal.
“A baliza estabelecida na legislação específica federal
(incidência da Selic como forma de correção monetária e de juros moratórios em
matéria tributária) busca igualmente impedir que o contribuinte inadimplente
possa ser beneficiado com vantagens na aplicação dos valores retidos em seu
poder no mercado financeiro, bem como compensar o custo do dinheiro
eventualmente captado pelo ente público para cumprir suas funções, haja vista a
falta de receita identificada”, escreveu.
E concluiu: “Se a taxa de juros de mora, nos termos da lei
estadual, deve ostentar a função de complemento indenizatório da obrigação
principal, impondo a observância pelo Secretário da Fazenda, em caso de redução
da taxa de 0,13%, do parâmetro das taxas médias pré-fixadas das operações de
crédito com recursos livres divulgados pelo Banco Central do Brasil (v. §§ do
art. 96 da Lei nº 13.918/09), não há como justificar a extrapolação da taxa
Selic, ou seja, do critério adotado na legislação federal como norma geral”.
O desembargador também afirmou que a taxa de 0,13% ao dia não se
enquadra no princípio da razoabilidade tributária, que impede o poder público
de estabelecer taxas altas demais para o contribuinte. No caso da taxa
paulista, os 0,13% ao dia transformam-se em 3,9% ao mês e 46,8% ao ano. A taxa
Selic atualmente está fixada em 7,25% ao ano. “O Poder Público não pode mesmo
agir de forma imoderada, desvirtuando a natureza e finalidade do cômputo dos
juros moratórios e da atualização monetária.”
Monetário ou financeiro
Questão de fundo abordada por Paulo Dimas foi a natureza do
dispositivo que se estava discutindo: se de Direito Monetário ou de Direito
Financeiro. No primeiro caso, o artigo 22 da Constituição estabelece a
competência exclusiva da União para regulamentar. No segundo, concorrente da
União e dos estados, observando os critérios das regras gerais federais.
A matéria foi abordada pelo Supremo Tribunal Federal em Recurso Extraordinário julgado em março de 2000. A
discussão era sobre a lei que criou a Ufesp. Naquela ocasião, ficou decidido
que lei local não pode fixar índice de correção monetária em crédito tributário
em percentual maior que o estabelecido pela União. Mas a discussão era se a
ofensa era ao artigo 22 ou ao artigo 24.
No entendimento do ministro Ilmar Galvão,relator do RE, a lei
tratou de matéria eminentemente monetária, cuja competência exclusiva da União
está descrita nos incisos II e IV do artigo 22 da Constituição Federal. A lei
estadual paulista, portanto, seria inconstitucional por usurpação de
competência.
Já os ministros Nelson Jobim, Sydney Sanches e Néri da Silveira
entenderam que o caso era de Direito Financeiro ou Tributário, em que estados e
União dividem a competência para legislar, desde que respeitadas as regras
gerais criadas pela União. O voto do ministro Jobim disse que “existindo norma
da União adotando índice de correção de débitos fiscais federais, funciona ela,
em relação aos Estados, como norma geral. Tais índices não poderão ultrapassar
o da União, posto que os Estados, no tema, têm somente competência legislativa
suplementar”.
E no mesmo sentido foi o voto do ministro Néri da Silveira: “A
matéria é de direito financeiro e não de direito monetário; os Estados podem
estabelecer índices de atualização de seus débitos, mas, por se tratar de
matéria em que estamos num campo de competência concorrente União e Estados,
estes não poderão estabelecer índices superiores aos estabelecidos pela União
para a correção de seus débitos fiscais”.
Clique aqui para ler o voto do
desembargador Paulo Dimas Mascaretti.
Por Pedro Canário
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