quarta-feira, 23 de novembro de 2011

STJ afirma que Fisco não deve aceitar valor de face de precatório

Por Maíra Magro | De Brasília
O relator do caso, ministro Herman Benjamin, cita na decisão precedente da 1ª Turma favorável ao Fisco.
Uma nova decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) inibe o uso de precatórios para pagamento de dívidas tributárias em ações judiciais. Em um julgamento recente, a 2ª Turma entendeu que os precatórios nomeados para penhora em execuções fiscais, e depois levados a leilão, devem ser considerados pelo preço de mercado, definido em avaliação, e não pelo valor de face. Na prática, o resultado elimina as vantagens de comprar esses papéis com deságio para depois usá-los como garantia e pagamento nas execuções fiscais.
Precatórios são dívidas públicas reconhecidas em decisões judiciais definitivas. Como os órgãos públicos costumam demorar anos para pagá-los, surgiu um mercado paralelo desses títulos. Comprados por preços muito inferiores ao valores de face, eles passaram a ser usados como garantia em processos de cobrança judicial e, depois, leiloados ou convertidos em pagamento de dívidas. Mas esse processo nunca foi isento de questionamentos, pois o Fisco tenta evitar o recebimento de precatórios como forma de quitar dívidas de contribuintes.
A 2ª Turma do STJ analisou um recurso do Rio Grande do Sul contra a indústria de alimentos Della Nona. O Estado cobra da empresa R$ 320 mil de ICMS, calculado em 1999 e agora estimado em pelo menos o dobro. No processo de execução, a Della Nona ofereceu precatórios comprados com deságio como garantia. A intenção era de que eles fossem recebidos pelo valor de face. Mas o Estado argumentou que, como os títulos seriam levados a leilão, não seria possível vendê-los por essa quantia. Portanto, seria necessário avaliar o preço de mercado.
"A estratégia dos contribuintes é usar um precatório com valor de face de R$ 100, comprado por R$ 20, para abater uma dívida de R$ 100", diz o coordenador da Procuradoria Fiscal do Estado do Rio Grande do Sul, Cristiano Xavier Bayne. "Defendemos que ele só pode ser usado para quitar uma dívida de R$ 20." Segundo a procuradoria, a necessidade de avaliação está prevista no artigo 13 da Lei de Execução Fiscal (nº 6.830, de 1980). Outro argumento é que, no caso, o precatório não seria uma dívida do Estado, mas de uma autarquia estadual com personalidade jurídica distinta, o Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (Ipergs). O Estado sustenta ainda que a compensação direta do precatório com a dívida tributária não pode ser feita porque não há lei estadual permitindo essa transação - daí a necessidade de levar o título a leilão.
Já a empresa defende que o Estado é responsável pelas dívidas de suas autarquias e, por isso, deve aceitar o título por seu valor original. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul aceitou o argumento da empresa e negou o pedido de avaliação. Segundo o TJ-RS, "a existência de deságio é consequência do comportamento do próprio Estado que, sistematicamente, não honra o pagamento dos precatórios nos prazos respectivos."
A decisão foi revertida no STJ. O relator do caso nª 2ª Turma, ministro Herman Benjamin, citou precedente da 1ª Turma, segundo o qual a penhora do crédito se transforma em pagamento por meio de leilão, "quando se torna indispensável a avaliação". No precedente mencionado, a 1ª Turma notou que não faria sentido leiloar o precatório pelo valor de face, pois ninguém estaria disposto a comprá-lo para receber a mesma quantia no futuro. No entanto, os ministros ressalvaram que, quando o Estado toma o precatório diretamente como seu, por meio da chamada sub-rogação, o que conta é o valor de face.
"A decisão vai desestimular a transação paralela de precatórios", afirma Cristiano Bayne, da Procuradoria Fiscal gaúcha. "Na medida em que o empresário comprar o precatório por R$ 20 e só puder abater o mesmo valor de sua dívida, ele não terá mais interesse."
O advogado da Della Nona, Vinicius Lubianca, informou que já recorreu da decisão. De acordo com ele, ao pedir o leilão dos títulos, o Estado não cumpriu o prazo exigido pelo artigo 673 do Código de Processo Civil. "Depois da penhora, o Estado teria dez dias para se manifestar pedindo o leilão", diz. Segundo Lubianca, como não houve manifestação nesse sentido, deve-se presumir que o Estado optou por ficar com o precatório. O advogado argumenta ainda que a decisão viola princípios constitucionais, como o da moralidade, além das regras que obrigam o Estado a pagar integralmente esses títulos.
Advogados de contribuintes criticaram a decisão. "É mais uma circunstância na qual o devedor se aproveita de sua própria torpeza para depreciar os próprios papéis", diz o advogado Flávio Brando, presidente da Comissão de Precatórios da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Brando afirma que a questão pode voltar a ser discutida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ação questionando a Emenda 62, que criou um regime especial para o pagamento de precatórios. "Se o Supremo entender que a compensação do precatório é automática, não será preciso fazer nenhuma avaliação."
Fonte: Valor Econômico

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