Apresentado pelo G-20 em julho, o plano global de ação que visa
fechar brechas entre as legislações tributárias dos países que geram o
pagamento menor de tributos pelas multinacionais começará a ser debatido
oficialmente no dia 1º, em Paris. O Brasil é um dos 12 países com assento no
grupo responsável por definir, até 2015, juntamente com a Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Economico (OCDE), as medidas contra o deslocamento
artificial de lucros.
Voltado especialmente para países europeus que sentiram o peso
da perda de arrecadação com a crise internacional, as negociações em torno do
plano são de "máximo interesse" também para o Brasil, diz Flávio
Araújo, coordenador-geral de relações internacionais da Receita Federal.
"Nosso objetivo é preservar os interesses do sistema tributário nacional e
dos países em desenvolvimento", afirmou. Além do Brasil, participarão das
negociações a China, Índia e África do Sul.
Para José Augusto Fernandes, diretor de políticas e estratégia
da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o projeto chamado de Beps (Erosão
da Base e Transferência de Lucros, na sigla em inglês) deve servir de
oportunidade para fixar regras tributárias mais previsíveis e beneficiar, no
longo prazo, o comércio e o investimento internacionais. "Quando o sistema
tributário nacional se aproxima do padrão global ele fica mais seguro e
eficiente, afirmou.
Dentre os 15 itens do plano de ação traçado pela OCDE, um já tem
total apoio do Fisco brasileiro: obrigar as empresas a informar às autoridades
fiscais de cada país onde operam com planejamentos tributários que visam
recolher menos impostos. "No grupo técnico vamos buscar influenciar e
delimitar essa proposta", diz Araújo.
Por outro lado, o Brasil ainda está "cauteloso" em
relação à proposta que visa fixar um acordo multilateral de cobrança de
impostos sobre lucros. O texto poderia delimitar o que cada país poderia taxar
e em que extensão, ou seja, globalizar a política tributária. "Queremos
saber para onde vai essa conversa. Temos preocupação e várias dúvidas sobre um
acordo multilateral porque interesses diversos estão envolvidos. Um acordo
bilateral seria melhor negociável", afirma o secretário.
O Brasil pode oferecer resistência a pelo menos dois pontos do
projeto que podem representar alterações na legislação nacional e,
consequentemente, perda de arrecadação. "A política tributária nacional é
menos suscetível, menos frágil, a esses deslocamentos abusivos de lucros que a
de países desenvolvidos", afirmou o secretário. "Não estamos dizendo,
porém, que vamos entrar [nas negociações] para não mudar nada [do sistema
tributário nacional]. O Brasil quer influenciar e avançar em conceitos",
completou.
Para o Fisco, o modelo nacional de tributação de lucros de
empresas vinculadas de multinacionais no exterior é bom para a realidade
nacional. A meta da OCDE é melhorar essas regras que são muito discrepantes
entre os países. Os Estados Unidos, por exemplo, só tributam o lucro
disponibilizado no país. "A consequência é que a receita nunca é
distribuída nos EUA. A norma atual do Brasil não permite transferência de
lucros para países com tributação favorecida", afirma Araújo.
A Receita Federal cobra o imposto independentemente da
distribuição do lucro aos acionistas brasileiros. O Ministério da Fazenda já
anunciou a proposta de alteração da regra para permitir que o recolhimento do
imposto seja pago em até oito anos. "Estamos saindo de um modelo péssimo,
mas não chegando nem perto dos países desenvolvidos", diz o tributarista
Alexandre Siciliano Borges, do Lobo & de Rizzo Advogados.
Outra mudança que encontrará resistência do Brasil é em relação
ao preço de transferência, regra pela qual é calculada a venda de serviços,
bens tangíveis ou intangíveis além de juros de empréstimos entre uma múlti e
suas subsidiárias no exterior.
Advogados tributaristas criticam a excessiva simplicidade da
norma brasileira que fixa margens de lucros dos produtos para fins de dedução
no Imposto de Renda. "O modelo traz risco porque a atividade econômica nem
sempre gera as margens estabelecidas", afirma o advogado Ordélio Azevedo
Sette, sócio da Azevedo Sette Advogados, para quem as empresas poderiam
apresentar documentos para comprovar a veracidade das margens praticadas,
especialmente em relação à remuneração por uso de marcas e patentes, por
exemplo.
O modelo da OCDE, chamado "arm's length principle",
aceita que empresas ligadas pratiquem preços e juros usados entre companhias
independentes. Para o Fisco brasileiro, porém, a política é de difícil
fiscalização e com alto potencial de litígio. "Mais de 60% das transações
globais são entre pessoas ligadas ou entre duas ou três empresas de setores
concentrados. Cada auditoria seria uma discussão", diz Flávio Araújo.
Por Bárbara Pombo | De Brasília
(Colaborou Assis Moreira, de Genebra)
Fonte: Valor Econômico
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